A arte de decidir na incerteza

Quando se vê os engenheiros empregando modelos físicos complexos e matemática sofisticada fica a falsa impressão de que a Engenharia é uma ciência exata. De fato os modelos são detalhados e os cálculos precisos, mas sempre embasados em dados que não são tão exatos. A Engenharia se relaciona com a Natureza, aplicando materiais, métodos e processos reais, todos com variabilidades inerentes, que resultam numa incerteza do projeto, como um todo. Os engenheiros são treinados para estimar essas variáveis e tomar as decisões com incertezas, por isso, os bons profissionais são muito disputados por outras áreas, como a financeira e a administrativa, por causa dessa habilidade, sendo seduzidos por ganhos que a Indústria não pode oferecer.

Não se deseja alarmar a população com esta apresentação, pois as decisões de Engenharia são fundamentadas em detalhados estudos de todas as principais variáveis intervenientes, e o grau de incerteza cuidadosamente estimado, sempre tendo como a preocupação básica minorar os riscos à vida humana. Por essa razão, no caso particular da Engenharia Civil, o grau de incerteza diminui nas obras em que falhas podem provocar verdadeiras tragédias, como na ruptura de uma barragem. Mas de qualquer forma, não se trabalha com valores definitivos, exatos e únicos – não é um número que deveria ser, por exemplo, oito e o engenheiro adotou o sete, ou no projeto ou na execução, e ocorreu a ruina. Muitas vezes os alunos de Engenharia se deparam com exercícios em que o professor aceita dois ou mais resultados, ou assistem aulas com dois docentes que apresentam soluções distintas para um mesmo problema, ambas aceitas como corretas pela comunidade.

Os engenheiros têm como referenciais confiáveis as normas técnicas, cada vez mais internacionalizadas, mas as nacionais não imprescindíveis pois refletem as peculiaridades e a cultura locais. A normalização técnica é um instrumento muito importante para as diversas etapas de uma obra de Engenharia, e devemos lutar para termos uma normalização nacional ampla, eficiente e atualizada, além de incentivar a participação brasileira eficaz e contínua na elaboração das normas internacionais, se desejamos ter um país competente e competitivo num ambiente realmente globalizado (gostando ou não dessa situação).

Novamente, deve-se alertar que a normalização, mesmo atualizada e eficiente, não é uma panaceia para os problemas de Engenharia, pois ela reflete o consenso do conhecimento na data da sua elaboração, mas o conhecimento evolui continuamente e muitas vezes com mudanças de patamar significativas. No Brasil, por causa da legislação vigente, confunde-se a normalização com a lei – quem elabora as normas são profissionais do ramo e não legisladores, portanto ela deve ser entendida como um documento técnico, para uso de profissionais que possam compreender a origem dos requisitos apresentados. Existem normas impositivas, muitas delas para a área da saúde, e mesmo na Engenharia temos os códigos e resoluções de organismos públicos que são obrigatórias, mas não é o caso da maioria das normas técnicas. Novamente procurando simplificar a explicação com um exemplo, na Escola Politécnica da USP, em 1973, ensinava-se o projeto de estruturas de concreto com uma abordagem que só foi adotada pela normalização nacional em 1978, e essa norma brasileira foi considerada pioneira, pois os europeus só adotaram essa nova visão de cálculo estrutural na década de 80.

Essa explicação da atividade dos profissionais de Engenharia torna-se importante, pelos acidentes que vem ocorrendo, principalmente na área da Construção Civil, alguns com vítimas fatais. Logicamente, um fato desses, de grandes proporções, em regiões centrais de grandes cidades têm repercussões marcantes na mídia e dúvidas do grande público sobre como pode ocorrer.

Espera-se que os estudos de cada um dos acidentes, muito mais do que buscar culpados, que é uma atividade de polícia, possam contribuir para o avanço do conhecimento e que se possa tranquilizar a sociedade para as atividades da Engenharia, que são essenciais para a melhoria da qualidade de vida da população.